24 agosto 2008

ecologia marinha

A praia comprida ventava salgado. Estreita, entre o canal e o mar. O canal, em si, desdém. O cheiro sim, doía-se de si mesmo. Por incrível, havia as crianças que nadavam micoses e hepatites. A praia, por sua vez, surfista aposentada. De quando em quando se vinha um corajoso lá do outro lado do canal, prancha em punho, e a praia relembrava antiguidades: surfistas, banhistas, pescadores. Depois mareava, coçando as cócegas que lhe faziam os sacos plásticos e demais rejeitos. O encontro do canal como o mar, ao fim da praia, era um anti-espetáculo. O caldo escuro dissolvia-se na água salgada, inconsolável. Do outro lado do canal, as casinhas se empilhavam até a avenida paralela ao mar e ao canal, onde toda tarde se via um engarrafamento passageiro e cultos nas duas ou três igrejas evangélicas de diferentes franchisings. Entre as casinhas amontoadas e a praia havia um canal, pois. Um não-rio, repleto de não-manguezais. Sobre o canal, uma ponte. Na praia, quase poucos. Um pombo, um urubu, três ou quatro almas. Ficavam por ali, até que aparecesse um cabra, dinheiro na mão. A praia olhava, ouvia. Antes era “da massa”. Massa. Agora tinha “da massa” e tinha “da pedra”. Era rochedo. O mar, denso, refrescava de leve a areia, ignorante. Ao pôr do sol, um dia, apareceu, após muito, um surfista. Menino nascido ali, a praia reconhecia a pisada. Crescera, estudara ali perto, vinha matar aula e fumar maconha na praia. Adolescente, ficava horas a fitar o horizonte, decerto contando tons de azul. Adulto, às vezes voltava à praia, camisa com o logotipo de alguma loja do shopping que substituíra um outro manguezal ali perto. Era este mesmo, o homem que um dia apareceu, num momento saudoso de tempos atrás. Ele, que surfava ali antes de 1992, quando lá ao sul o porto que fizeram mudou as correntes marinhas, ou coisa que o valha. Aí começaram os ataques dos tubarões. O mar sentia as braçadas do homem na arrebentação. A praia olhava, ouvia. Sentia cheiro de sangue, sobressaindo ao cheiro do canal. E então, depois de anos, aquela estreita praia, sábia e doente, voltou às manchetes, no caderno “cotidiano”. O homem, aleijado de uma perna, nunca mais voltaria àquela praia. O canal, o mar e areia, aleijados de sua poesia, persistiam à sua própria perplexidade.

2 comentários:

Alice disse...

Pedro, substitui ai meu link de blog:
http://alicv.blogspot.com/

bjos;)
A.

Tatiana disse...

Encomendei minino nenhum não! (Bom, pelo menos até agora...)
Saudades docê também... Vai para SLP, é? Hummmm... Vai ficar onde?
Beijinho