10 dezembro 2012

Recife Mangue Mar

Queria fazer um poema tranquilo
um poema de amor
um poema rimado
maneiro
indolor

mas o cheiro que o canal exala
no exato momento em que passo
me lembra do esgoto
que escorre há dois meses
em frente ao conjunto
onde brincam contentes
crianças sem rumo
de escola
 e na hora em que passo
reparo no banho
de esgoto que toma o ciclista
das rodas cromadas
de um carro bacana
de um merda apressado

e ao ver o seu carro
me lembro do sangue
escorrendo no asfalto
do motociclista
que atropelado
se torna uma nota
tão desrespeitosa
manchada na capa
de um jornal do dia

por baixo da foto
de um shopping plantado
na lama do mangue
mal inaugurado
e já invadido
por consumidores
que pouco se importam
com o caldo podre
que escorre
do rio
ao mar

e com os pescadores
que colhem mariscos
tão contaminados
que serão servidos
aos consumidores
tomando caldinho
na beira do mar

Queria fazer um poema tranquilo
um poema bonito
um poema de boa
mas remo na proa
da escatologia
e quem sabe um dia
num Novo Recife
desodorizado
verticalizado
sem alma e sem cor
eu possa fingir
que o Recife acabou
e me esconda
por entre
dez mil Cardinots
vendendo café
e tripudiando
e enriquecendo
de morte e de dor

Ah, poetas do Recife!
a escatologia não é estilo literário!
é atalho
cheira a concreto
ou é covardia?
caverna onde a gente
se esconde
sem ter por onde?

E aqui termino
esse poema
sem vaselina
pois em Abreu e Lima
teve rebelião
na detenção
e os pirraia
mataram um sequela
esquartejaram
e jogaram os pedaços pela janela
queria este verso
ser surrealismo
mas sento confuso
na beira do abismo
e com ceticismo
planejo um poema
suave
bonito
falando de paz



04 janeiro 2012

desdém



no reino dos sábios
desdenha-se a ira
se sábios não reinam
se sábios são luz
desdenho-lhes reinos
e vivo sem cruz

desdenho minha luz
pura ignorância
desejo abundância
resenho a mentira
desdenho a verdade
desenho meu reino
na realidade

e se é mentira
o que me seduz
despejo minha ira
no reino dos sábios
não culpo ninguém
carrego meus blues
desdenho o desdém