21 junho 2009

minimalismo reprimido

Inventei um poema minimalista:

***
"astronáutilus!"
***

a vizinha não gostou.

enfiei meu astronáutilo
em lugar diferente
de onde ela mandou

12 junho 2009

Devir



A Suely Carvalho

8:00- Domingo acordou com gosto de insônia. A barriga pesava, a garotinha chutava com força as costelas da Mãe; o útero contraía, quando em vez: há semanas. A Tia, chegada das distâncias, precisava partir naquela tarde. E nada. Nada, havia vinte dias. A mãe chororava todas as mágoas do mundo, o Pai segurava os pesos de si. Chororava-se por dentro, impacientava-se. O berço que Vovô fez para a Irmã, tempos idos, jazia só sob o mosquiteiro. O telefone incomodava os prenúncios. Amigos e parentes ficavam sabendo desnovidades. Pois sim.

9:00- O telefone de novo. Da parte da Parteira. Teriam ouvido os chamados? Os chamavam à sede. Foi mãe (foi Filha), foi Pai, foi Tia.

11:30- As Aprendizes de Doulas, reunidas, aprendiam a apreensão do casal. A Parteira examinou a Mãe. Desaperreou Mãe e Pai: paciência, força e equilíbrio. A lua se enchia naquela tarde. Pensou ser para logo, não disse, de modo a evitar novas insônias. Depois, um colo para o casal, palavras de força. Ela chorou sem chororar, ele chorou meio engolido, em bobagens masculinas: homem-chora-mas-tem-que-se-fazer-de-poste. A Tia, emocionada, sentiu cumprida a missão, em sua incompletude. Permitiu-se ir. Recado de Parteira: um passeio a dois, para relaxar seguido de duas horas de sono para preparar o porvir. O porvir? Evitaram perguntar.

12:45- macarronada com bife à parmegiana em família.

14:55- o Pai ajudava a Tia a descer as malas do bagageiro, na plataforma do aeroporto. Mais que uma despedida, um até breve.

16:00- a Mãe e o Pai caminhavam no domingo de inverno de Boa Viagem. Aprenderam o que é skinboard, admiraram as novas placas de advertência contra tubarões, repletas de informações. Resumiram o texto: não entrem no mar.

16:10- o Pai e a Mãe se sentaram na areia e observaram um casal tatuado entrar no mar vazio. A água estava agitada, eles se desequilibraram. Riram-se um do outro e se beijaram.

16:15- um vendedor de biscoitos perguntou sobre o início das férias das escolas particulares. Ambos olharam interrogativos.

16:30- um conhecido passou com amigos e prometeu um charuto.

18:00- passaram na locadora e alugaram três filmes.

18:30- ele ligou para o Compadre dizendo que tinha decidido não ir ao trabalho no dia seguinte. Ela ligou para a Faxineira avisando que não precisava vir no dia seguinte. Tiraram o telefone do gancho. Olharam, do quintal, a lua cheia brilhando no céu.

18:55- o Pai dispôs cuidadosamente sobre uma mesa: uma imagenzinha de Nossa Senhora do Bom Parto; um cartão colorido com a imagem de Iemanjá; uma foto diminuta em preto-e-branco de uma festa de Nossa Senhora Aparecida no Quilombo, o Festeiro e o Capelão circundando a pequena casa de pau-a-pique levando uma vela e a Santa. O Pai acendeu uma vela, que seria reposta três ou quatro vezes.

19:00- o primeiro filme começava com um parto. A mulher Maori dava a luz a gêmeos, um menino e uma menina. A mãe e o menino não sobreviviam, a menina chegava sem festejos. Ela se tornaria, ao final do filme, a descendente do ancestral mítico, trazendo novo rumo aos Maori. Antes do programado desenrolar, travou-se o disco- o filme não durou 15 minutos.
O casal não se abalou, em teste de serenidade.

19:30- o outro filme também tinha um parto em seus primeiros minutos. O velho contador de histórias misturava ficção e realidade ao narrar suas memórias ao filho. Quando nascera, a mãe fizera uma força e ele, bebê, escorregara pelo meio de suas pernas. Deslizara então oniricamente pelos corredores do hospital afora, sob os olhares da equipe médica.
O casal também não terminou este filme, apesar do disco funcionar perfeitamente. As contrações começaram e ele foi fazer o jantar.

20:00- fortes contrações. Ela se doía, ele marcava o tempo de intervalo. O corpo expulsava matéria por todos os lados. A louça do banheiro parecia amigável.

21:00- ela não conseguiu jantar. Não houve tempo também para duas horas de sono.

22:10- ela se mudou para o banheiro, ele tinha uma tabela de contrações desritmadas. Telefonou para a Parteira e pôs de novo o telefone no gancho. 'Temos tempo', a Parteira sentenciou: que ligasse em uma hora e vinte, as três Doulas seriam avisadas.

22:30- ele pegou o material numa gaveta e dispôs sobre uma mesa: gaze, clamp ubilical, xilocaína, luvas, panos, fraldas, lona plásticas. Pensou em Ilya Prigogyne: processos não-reversíveis. A última coisa em que ela pensaria seria Física.

23:30- ela caminhava pela sala em dores, descansava entre uma e outra contração: aventava a possibilidade de não conseguir. Bobagem, dizia ele. Ela perguntou onde estavam a Parteira e as Doulas. Ele disse que elas chegariam em breve. Relembrou as palavras da Parteira: é a Mãe quem faz o parto, não a Parteira. Falar é fácil, ele pensou e guardou para si.

23:40- chegaram duas Doulas. Chegou a Parteira, mais uma das Aprendizes, com seu bebê. Depois outra Doula ainda chegaria. Era hora de todos trabalharem.

Tempo fora do tempo- todos trabalhando, o Pai é o único homem presente (só pensou nisso depois): contrações-massagem-água-açúcar-contrações-massagem-café-mel-corta legumes-contrações-massagem-corre pro banheiro-contrações-massagem-grita-refoga pés e pescoço da galinha-volta para a sala-contrações-massagem- põe a sopa no fogo-pega a bola de plástico-senta-contrações-massagem-agacha-levanta-grita-contrações-água-açúcar-grita-massagem-mel-toma café-agacha-grita-senta-levanta-agacha-grita-massagem-runas-cheiro de sopa-flashes-contrações-grita-senta-levanta-agacha-grita-corre pro banheiro-pega o isolante no armário-contrações-grita-pega o banquinho-contrações-massagem-deita-vontade de fazer força-pega o banquinho-abaixa o fogo da sopa-contrações-grita-massagem-força-contrações-flashes-grita-força-contrações-grita-flashes-força-vai-contrações-vai-força-grita-contrações-força-força-força-grita-contrações-força-força-força-vai sair-estou vendo a orelhinha dela-força-grita-nasceu!nasceu!nasceu!-choro de bebê-olha a hora

3:22- a Mãe segurava desajeitadamente a pequena criança melada e arroxeada no colo, o pai a abraçava, embevecido. O cordão umbilical seria cortado minutos depois, pelo pai, após parar de pulsar. A placenta sairia 20 minutos depois. A parteira e as Doulas respiravam emocionadas o dever cumprido.

3:25- a Mãe sentiu cheiro de queimado, perguntou se a sopa ainda estava no fogo. O Pai disse que não, olhando discretamente para a pequena mesa onde acabava de se apagar a vela sob as imagens de Iemanjá-Nossa Senhora.

7:00 A sopa grossa de galinha com legumes foi consumida pela Mãe, o Pai e a Parteira, após esta ter tomado, com amor, todos os cuidados necessários com a Mãe e a Filha.

7:10 Segunda acordou com gosto de sono. O telefone fora do gancho, o berço que Vovô fez para a Irmã, tempos idos, ainda só sob o mosquiteiro. Na cama do casal, Pai, Mãe e Filha jaziam tranqüilos, em silencioso descanso.

16 maio 2009

imagens de viajantes



Violeta Silveira Ruiz, 7 anos. "A conaneira", óleo sobre tela, Olinda, abril de 2009.

03 maio 2009

(sem título)

vento sopra
mês de maio
mormaço e chuva
gosto de maresia
moradores apressam-se em consertar telhados
verificar goteiras e infiltrações
sinos batem
formigas se alvoroçam
maracujá fulora mangangás
tempos de recolhimento
sob o guarda chuva
espero bem vinda
a vida que vem