26 junho 2007

tese 1

Dez e vinte, casa cheia. Ontem me gripei e caí de cama, hoje me arrasto ao outro lado da cidade pra tentar trabalhar. A chuva não arrefece o desejo recifense de ar condicionado. Na grande sala, tornada pequena pelo volume de gente presente, ponho o headphone e luto para me concentrar. Na mesa de madeira, quatro pesquisadores discutem o orçamento de um projeto. Ao meu lado, um colega luta por telefone com a equipe de informática para logar o seu computador, ao mesmo tempo em que revisa um texto impresso. As outras duas colegas nas mesas ao lado lêem seus e-mails (é aniversário de uma delas). No outro extremo da sala o telefone toca novamente, a secretária atende. Aumento o volume de Gerry Mulligan e Telonious Monk e abstraio minhas tosses e fungadas. Organizo um novo capítulo, recortando e colando, maximizando e minimizando diversos arquivos que escrevi nos últimos meses, nos últimos anos. Está na hora de terminar essa tese. Levanto para um café, aquele com açúcar, em horários intermitentes, que, desconfio, está me estragando os dentes. Olho pela janela a água caindo lá fora e um tossir me escapa da garganta. Sento ao computador novamente, ouvindo jazz misturado a trechos de palavras alheias. Ruídos. Sem conseguir me concentrar, me espreguiço. Fecho os olhos e lembro de uma bela boca a me sorrir. De um rosto que acompanha a boca, um corpo que acompanha o rosto. Sorrio sozinho. Beijo-a em meus pensamentos, caminho com ela no centro da cidade, pela chuva, sem ligar pros resfriados. O telefone toca em meio ao solo de sax, volto os olhos novamente ao monitor. Qual um beatnik, teclo no ritmo do jazz. E mais um parágrafo é escrito.

17 junho 2007

sem título

Vê se esquece

O que não mata, fortalece

Vê se acorda

O que não mata, engorda

Vê se endireita

A vida não é frase feita.

untitled

She weaves her web like a spider

She roams like a gypsy mother

It looks like her life’s harder

Fragile like a coral garden

Feeling like an outsider

Living by the border

My lover


12 junho 2007

fluminense


Quem viu o filme "Cartola" deve ter reparado na cena. Enterro do compositor, duas bandeiras sobre o caixão: a da Mangueira e a do Fluminense.

Homenagem ao melhor timinho do mundo, que acaba de ser campeão da Copa do Brasil, com uma imagem de um de seus torcedores mais inspirados.

sem título

Abri os olhos e a claridade me apertou nos olhos.

Chacoalhei os modos

Um amanhã me invadiu

Foi quando gostei de ti

Deitada ao meu lado

E o resto eram só.

...

Foi no dia que cansei das reticências.

firma


Ganhei um presente. Digamos, um instrumento de trabalho. Trabalho numa sala com cadeira de escritório, mesa de escritório, computador de escritório. Pois. Encontrei sobre a mesa uma pequena caixa de papelão. Abri, curioso. Era um pequeno objeto plástico com meu nome grafado. Um calafrio me percorreu a espinha. Tomei uma folha de rascunho e sobre ela comprimi o objeto. Um discreto ruído nas engrenagens internas à capa plástica seguiu-se à minha pressão. Lá estava, sob meus olhos, meu nome impresso na folha de papel, em tinta preta. Não só um nome, mas uma série de três siglas separadas por barras e um cabalístico número de matrícula. Era eu: funcionário público completo, portador de um indispensável carimbo.

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Meu pai fazia gosto que eu fizesse agronomia, trabalhasse na Embrapa, como ele. Eu, dezessete anos, meia dúzia de espinhas, “On the road” debaixo do braço e uma fita cassete dos Dead Kennedys no walkman. Retruquei na bucha: não quero ser um burocrata. Seu Maciel magoou-se de tal forma com minha rebeldia gratuita (nunca achei que meu pai fosse um burocrata) que rogou a praga: ainda me veria atrás de uma mesa de escritório a carimbar papéis.

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Outro dia disse a uma colega de trabalho, em um rompante de anarquismo, que eu era livre por princípio, ninguém mandava em mim. Ela me olhou com ironia e riu-se. E fomos juntos a uma reunião burocrática.

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O carimbo permanece não usado sobre minha mesa (só o usei quando levei pra casa e fiz uma graça). Às vezes fico olhando para ele, observando sua engenhosa estrutura de almofada interna. Nestes momentos olho também para o computador, neo-carimbo da neo-burocracia. Enquanto isso, procuro, se não uma liberdade de fato, ao menos uma liberdade em processo: devir-liberdade. Que venha. Se precisar, carimbo em três vias e reconheço firma.