29 maio 2007
22 maio 2007
borboleta
A filha achou uma borboleta moribunda no quintal. Uma mariposa, corrigiu. Preta e amarela. Pôs num frasco com furinhos, cheio de flores. Pra cuidar dela. A mãe informou-lhe que o bichinho não durava muito. Perguntasse ao pai, que era biólogo. O pai considerou o ataque de um gato, de uma lagartixa. Ou era chegada mesmo a sua hora, morrer de velha. Ela desconversou. Queria cuidar da mariposa, do pote e das flores. Era o que tinha a se fazer.
O pai, quando da sua idade (soube depois), fazia o mesmo com besouros. Punha-os todos numa caixa com terra, mini-fazenda. Queria cuidar deles, já virando de barriga pra cima. Não entendia porque morriam depois de dois ou três dias. Cresceu, virou-se em biólogo e descobriu o contrário: o frasco matador, um pote semelhante, éter em vez de flores. Genocídio, espetando-os em alfinetes entomológicos, para o bem da ciência. Logo desistiu dessa vida criminosa, deixou de olhar os insetos. Mas veio a filha, a quem teve de ensinar sobre as formigas, tatuzinhos e libélulas.
A mariposa, por mais amada que, morreu, enfim. O pai em viagem, ligou. A filha informou o fato, após muita conversa. Ficou um pouco triste, disse. Enquanto falava ao telefone, desenhava urubus voando no céu, em círculo.
Desligou o telefone e foi andar de bicicleta.
15 maio 2007
31
A gente soca a ponta da faca
Dói, fura, enraivesce
Machuca e soca de novo
A cicatriz permanece.
A gente tropeça, cai e levanta
Tropeça de novo, esborracha
Procura o desnível no chão
E não acha.
A gente fica doente
Melhora e atola na lama
Bebe, fuma e não dorme
E fica de novo de cama.
Nos interstícios, nos hospícios
Nos sacrifícios, nos precipícios
A gente não se entende.
Tenho fé:
Um dia a gente aprende.
05 maio 2007
04 maio 2007
intelectuais
tire suas presas de marfim
faça-o desmemoriado
pense um rinoceronte
arranque-lhe os chifres
meta-lhe um dardo de tranqüilzantes
tarja preta
pense um hipopótamo
retire-lhe o nadar gracioso
deixando-lhe apenas o olhar abestalhado
pense um peixe boi
retire-o do rio
ponha-o em um minúsculo lago no centro da cidade
sob as pipocas dos transeuntes
mais boi do que peixe
pense uma manada de paquidermes indefesos
ruminantes inofensivos
sirênios obesos
pense o róseo flácido
as protuberâncias adiposas
a prostração, a indiferença
e pare de pensar.