12 junho 2007

firma


Ganhei um presente. Digamos, um instrumento de trabalho. Trabalho numa sala com cadeira de escritório, mesa de escritório, computador de escritório. Pois. Encontrei sobre a mesa uma pequena caixa de papelão. Abri, curioso. Era um pequeno objeto plástico com meu nome grafado. Um calafrio me percorreu a espinha. Tomei uma folha de rascunho e sobre ela comprimi o objeto. Um discreto ruído nas engrenagens internas à capa plástica seguiu-se à minha pressão. Lá estava, sob meus olhos, meu nome impresso na folha de papel, em tinta preta. Não só um nome, mas uma série de três siglas separadas por barras e um cabalístico número de matrícula. Era eu: funcionário público completo, portador de um indispensável carimbo.

&

Meu pai fazia gosto que eu fizesse agronomia, trabalhasse na Embrapa, como ele. Eu, dezessete anos, meia dúzia de espinhas, “On the road” debaixo do braço e uma fita cassete dos Dead Kennedys no walkman. Retruquei na bucha: não quero ser um burocrata. Seu Maciel magoou-se de tal forma com minha rebeldia gratuita (nunca achei que meu pai fosse um burocrata) que rogou a praga: ainda me veria atrás de uma mesa de escritório a carimbar papéis.

&

Outro dia disse a uma colega de trabalho, em um rompante de anarquismo, que eu era livre por princípio, ninguém mandava em mim. Ela me olhou com ironia e riu-se. E fomos juntos a uma reunião burocrática.

&

O carimbo permanece não usado sobre minha mesa (só o usei quando levei pra casa e fiz uma graça). Às vezes fico olhando para ele, observando sua engenhosa estrutura de almofada interna. Nestes momentos olho também para o computador, neo-carimbo da neo-burocracia. Enquanto isso, procuro, se não uma liberdade de fato, ao menos uma liberdade em processo: devir-liberdade. Que venha. Se precisar, carimbo em três vias e reconheço firma.

6 comentários:

Anônimo disse...

Não esquenta não, Pedro, um carimbo é só um carimbo...Não que eu ache que sirva de consolo, mas eu também tenho o meu: é daqueles que dá uma pirueta e faz "plac".

João Castelo Branco disse...

Hehe!

Disciplina: Dinâmica da Agricultura Familiar e Espaço Rural disse...

hehehe
Maciel

Pedro S disse...

e vocês riem...

André Machado disse...

Quando eu entrei no Banco, uma das primeiras questões que me passaram na cabeça foi: o que o Pedro falaria ao ver seu irmão mais novo, um trotskysta convicto, entregue ao mercado financeiro (com uns 10 carimbos sob a mesa)?
E me questionava: será que ele vai pensar que, assim como o Governo Socialista da URSS, me burocratizei e abandonei meus ideais libertários?
E mais (o que verdadeiramente me preocupava): isso não iria corroborar com suas teses anarquistas, que acusam os marxistas de burocratas e estatistas, deslegitimando assim todas as conquistas da Revolução de Outubro e igualando os trotskystas-leninistas aos stalinistas?
Me vi diante um dilema, no qual eu seria usado como um “tipo ideal” para massacrar meus meus próprios ideais – um Plekhanov dos tempo da automação.
Mas como diria Lenin, “o tempo é o substrato da política”. E o texto “firma”, do camarada irmão mais velho Pedro, demonstra que o tempo (desde sua suposta análise acerca da minha condição de bancário-trotskysta-burocrata até sua transformação em carimbador na empresa F.J. N.) despiu seus pensamentos e evidenciou a fraqueza de suas teses anarco-antropológicas.
Hoje, estamos todos sob a mesma condição burocrata, e isso me deixa aliviado. Posso dizer que o processo burocrático pode ocorrer até mesmo na vida dos mais combativos companheiros, e que isso não comprova a entrega de seus corações e mentes a ideologia capitalística (para usar um termo do camarada Guattari).

André

Unknown disse...

êita.
então tá. viva la revolución, hermanito!