10 março 2008

assim

Chegaram-se como quem nada quisessem. No dia em que a conheceu, ela queimou uma panela e envenenou acidentalmente o gato. Dias depois, uma festa, na cidade dele, tornou-se uma história. História assim, como quem nada quer. Amor que não se pode ser. Mas a vida insistia. Esta deu um jeito de virar-se do avesso e pronto, lá estavam eles, amando-se na mesma cidade, quase vizinhos. Ela dizia não querer freqüentar a casa dele. Preguiça das ladeiras. Ele as descia, resoluto. Mas as ladeiras também se acostumaram com o decidido caminhar da moça. Ainda sim, ela hesitava em penetrar o universo pessoal dele. Medo de enredar-se, para nunca mais, em neuroses pessoais e familiares. Ela sempre dizia: um dia quero ser sua namorada. Ele calava paciências, até que as visitas dos parentes foram se sucedendo sem grandes planejamentos. Ela gostou da filha dele, ele gostou dos pais dela. Jogavam xadrez, vez em quando. Comiam juntos, dormiam juntos, um dia lá, outro cá. Às vezes cada um ia para sua casa, dissimulando-se. Passaram por eles um, dois, três momentos de tensão. Passaram-se. Lá pelas tantas ela admitiu publicamente, a dois, que o nome era aquele, na-mo-ro. Ela se mudou para mais perto ainda, sem a desculpa das ladeiras. Fizeram planos de viagens. Pensaram em como as coisas podiam ser, morando juntos, cada qual com seu quarto. Respeito aos limites do querer. Não vai dar certo, ela dizia, reclamando do mau-humor matinal dele. Continuaram, pois, provisoriamente, cada-qual-cada-qual. Outro dia ela, como quem nada quer, emprestou-lhe as chaves de casa. Disse para guardar com ele, como quem nada quisesse. Ele sorriu discretamente, de canto de boca, aguardando próximos capítulos.